domingo, 27 de fevereiro de 2011

O ano em que a crítica perdeu o Óscar



Hollywood quer chegar à geração do Facebook. Mas deverá passar ao lado de A Rede Social e premiar o classicismo de O Discurso do Rei


Qualquer pessoa que tenha lido o que os críticos americanos e a blogosfera especializada escreveram nas últimas semanas sobre os Óscares terá assistido a um exercício de terapia colectiva. Eles têm tentado lidar com o cenário cada vez mais provável de que o seu filme preferido, A Rede Social, vai perder para O Discurso do Reiesta noite, no Kodak Theatre. Boa parte do que tem sido escrito são análises do género: "Por que é que A Rede Social merecia ganhar, e por que é que O Discurso do Rei vai ganhar".

Raramente a crítica formou um bloco tão unificador em torno de um único filme como este ano; a fragmentação de opiniões costuma ser mais vasta. A Rede Social foi o filme que muitos espectadores foram ver ao cinema porque a crítica americana não parava de falar dele, criando uma sensação de urgência. E onde muitos espectadores viram um filme que consiste num grupo de pessoas a falar numa sala, os críticos viram um marco geracional, "o filme que define a década" (Rolling Stone), "o primeiro filme de Hollywood que capta verdadeiramente o espírito metafísico da era digital" (Entertainment Weekly), mesmo que, assim de repente, a metafísica da era digital pareça ser a total ausência de metafísica. 


Quando as nomeações para os Óscares foram anunciadas há cerca de um mês, oWashington Post escreveu que este era o ano mais consensual desde que havia memória, a edição para acabar com todas as divisões, o equivalente, no cinema, ao comício de Jon Stewart para restaurar a sanidade (sic) - e agora deve ter esperança que o artigo não apareça nos resultados de uma busca no Google.

Desde então, A Rede Social tem varrido todos os prémios da crítica, enquanto O Discurso do Rei tem triunfado nos prémios da indústria que antecipam os Óscares. O fosso nunca foi "tão extremo", escreveu Sasha Stone, no blogue Awards Daily. E como, ao fim e ao cabo, é a indústria que constitui o eleitorado dos Óscares da Academia, os críticos já começaram a falar do triunfo de O Discurso do Rei (12 nomeações) como um facto consumado. "A corrida já terminou", escreveu Richard Corliss na revista Time, no fim de Janeiro.

Existem mais oito candidatos ao Óscar de melhor filme, mas 2011 é o ano da disputa entre A Rede Social e O Discurso do Rei - dito de outro modo, entre um filme fala-barato e um filme sobre problemas de fala.

Não é que os críticos não tenham gostado de O Discurso do Rei (o Washington Postclassificou esta edição de consensual precisamente pela ausência de ovnis ou títulos questionáveis). Mas quando as associações que representam realizadores, produtores e actores começaram a preferi-lo em vez de A Rede Social, os críticos (incluindo a blogosfera especializada), temendo porventura a sua própria irrelevância ou perda de autoridade, reagiram. Alguns admitiram que vivem numa redoma que não representa necessariamente a vontade da maioria (Richard Brody da New Yorker); outros chamaram a O Discurso do Rei, pejorativamente, ??Oscar movie", o tipo de filme que é feito a pensar na reacção pavloviana dos membros da Academia; outros ainda socorreram-se da história dos Óscares para mostrar casos precedentes em que a mesma Academia passou ao lado da oportunidade de reconhecer "history in the making", a história no momento em que ela estava a acontecer (Taxi Driver foi ignorado em 1976, Touro Enraivecido em 1980, Citizen Kane em 1941...).

A verdade é que, para a Academia, "fazer história" tem menos a ver com atributos cinematográficos do que com questões sociais: o primeiro actor negro a receber um Óscar, a primeira mulher realizadora, etc.

Para a crítica americana, O Discurso do Rei representa uma escolha previsível, segura e conformista, com o seu classicismo, caução histórica, actores britânicos e o conforto de uma história de amizade e triunfo sobre a adversidade. A Rede Social, defendem, tem um Q.I. superior, é mais ambicioso, inovador e frio. As comparações maniqueístas abundam: "Gostar de O Discurso do Rei é fácil. Gostar de A Rede Social, não." Um representa o passado; o outro, sangue novo. O primeiro é sentimental; o segundo, cerebral. (Os monarcas ingleses estão para um ecrã de cinema como os gatinhos estão para um ecrã de computador, escreveu Richard Brody na New Yorker). Ao dar a vitória a A Rede Social, escreve Melena Ryzik num blogue do New York Times, a Academia teria oportunidade de "marcar uma posição, mostrando que está em sintonia com a juventude".

Um Óscar para a Internet

O que é algo que a Academia parece estar desesperada para fazer. A escolha de James Franco e Anne Hathaway como anfitriões da cerimónia, os mais jovens de sempre (32 e 28 anos), não é o único indício de que a Academia está a tentar atrair uma audiência mais jovem (a média etária dos espectadores atingiu os 50 anos, mais cinco do que há uma década). Outra das novidades desta edição é o abandono de uma cenografia tradicional em favor de projecções virtuais, o que permitirá mudar constantemente o cenário. Por último, a Academia decidiu expandir a sua presença na Web. O site oficial dos Óscares, oscar.go.com, terá vídeos exclusivos dos bastidores da cerimónia (os espectadores poderão ver os vencedores a receber um prémio na TV e, a seguir, vê-los celebrar nos bastidores, num computador). Uma nova aplicação para o iPhone e o iPad incluirá imagens da festa pós-cerimónia. As mães de alguns nomeados foram convidadas a comentar a cerimónia no Twitter - e nenhuma terá sido tão prestável quanto a família Franco: tanto a mãe como a avó do actor (que, além de apresentar a cerimónia, está nomeado para melhor actor por 127 Horas) estarão no Twitter. O próprio James Franco diz que tentará twitar durante a cerimónia.

Resta saber se a geração do Facebook carregará no botão "gosto" se o filme sobre o Facebook perder para O Discurso do Rei.

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